Neste 19 de agosto, celebramos o Dia de Luta do Movimento Nacional da População em Situação de Rua. Para debater o tema, nosso convidado especial do CRESS Entrevista deste mês é Vanilson Torres, coordenador estadual, regional e nacional do MNPR.
Para ele, o Serviço Social precisa se aproximar das questões relacionadas à população em situação de rua, em todos os âmbitos.
"São tantas as demandas, que não damos conta, tendo em vista que as respostas do poder público não chegam no tempo necessário ou simplesmente não chegam", afirma.
Confira a entrevista na íntegra:
CR: Qual a importância da data? Neste ano, o movimento tem um tema específico de campanha?
VT: Em memória ao Massacre da Sé, em 2004, no qual sete pessoas foram assassinadas e oito ficaram gravemente feridas enquanto dormiam, na Praça da Sé, capital paulista, o 19 de agosto é o Dia Nacional de Luta e Luto da População em Situação de Rua.
Tal fato desencadeou o início da mobilização de grupos para construir o Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), em uma contínua luta pela garantia de direitos. O 19 de agosto é manchado com o sangue das pessoas em situação de rua, dia muito importante para que possamos reafirmar que quem está em situação de rua é a classe trabalhadora e que parem de nos matar!
A Política Nacional para a População em Situação de Rua, instituída pelo Decreto nº 7.053 de 23 de dezembro de 2009, define população de rua como “o grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória”.
O documento prevê acesso amplo, simplificado e seguro aos serviços e programas que integram as políticas públicas de Saúde, Educação, Previdência, Assistência Social, Moradia, Segurança, Cultura, Esporte, Lazer, Trabalho e Renda, itens que, infelizmente, ainda não se concretizam no cotidiano.
Nesse contexto, segundo o Conselho dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), a situação de rua é uma crise global de direitos humanos que requer uma resposta global e urgente.
Nossa luta é por políticas públicas efetivas e estruturantes: Moradia Digna, Trabalho, Emprego e Renda, acesso garantido ao SUS, ampliação e humanização dos serviços socioassistenciais para a População em Situação de Rua.
Vale salientar que os serviços socioassistenciais são violadores da PopRua em vários contextos e devem atuar intersetorialmente, para que possibilite a real saída das ruas, pois, no momento, estão semelhantes a depósitos de seres humanos, onde temos pessoas que já estão institucionalizadas há mais de 10 anos, sem haver possibilidades reais da saída das ruas.
CR: Quais são os principais desafios, hoje, do movimento no estado e no país?
VT: No estado, o principal desafio é efetivar as políticas públicas estruturantes e regionalizadas, pois não há ainda a inclusão das pessoas em situação de rua. Tivemos o Censo Estadual da PopRua finalizado no final de 2022 e lançado no dia 28 de julho de 2023. Agora, estamos na construção do Plano Estadual de Políticas Públicas para a PopRua, por meio do MNPR e CIAMPRUA. Ao finalizar, iremos encaminhar ao governo estadual para a implementação.
Já em nível nacional, estamos em diálogos com vários Ministérios. Com a decisão de Alexandre de Moraes em relação à ADPF 976, em 26 de julho, que determinou um prazo de 120 dias para que governo federal, estaduais e municipais criem planos de ação voltados para a PopRua, com políticas públicas estruturantes, acreditamos que haverá avanços significativos.
CR: No Rio Grande do Norte, como o movimento está organizado e articulado com outras entidades e instituições?
VT: O MNPR no RN existe desde 23 de outubro de 2012, porém as demandas da população em situação de rua são tantas, que não damos conta, tendo em vista que as respostas do poder público não chegam no tempo necessário ou não chegam.
No Rio Grande do Norte, só há serviços socioassistenciais em três municípios, e com deficiências. A capital só dispõe de um Centro Pop, um Albergue e um Abrigo 24 horas, concentrados na zona leste.
O Centro Pop dispõe de 100 vagas diárias, de segunda a sexta-feira, para atendimentos e alimentação; o Albergue, 50 vagas, e o Abrigo 24 horas, 50 vagas. Enquanto isso, a Prefeitura de Natal expulsa pessoas em situação de rua do Viaduto do Baldo, Suvaco da Cobra e INSS da Ribeira e veta a Política Municipal para a População em Situação de Rua. Cerca de 120 famílias e indivíduos que estavam nos aluguéis sociais estão voltando para as ruas, ou seja, a Prefeitura é violadora da PopRua.
Já em Parnamirim, só temos um Centro Pop e um Albergue. Em Mossoró, temos um abrigo temporário da pandemia com sete vagas.
Temos articulações com mandatos populares e entidades, como por exemplo o Centro de Referência em Direitos Humanos Marcos Dionísio da UFRN, Associação Potiguar Plural, MLB, Departamento de Psicologia da UFRN e CRP. Também ocupamos quase 20 conselhos de controle social em níveis municipais, estadual e nacional.
CR: Como se deu e se dá a sua trajetória no movimento PopRua?
VT: No mês de março de 2012, Natal passava por uma espécie de “Tsunami Social”, com greves e sem serviços essenciais, e teríamos eleições municipais. A equipe técnica do Albergue Municipal nos lançou uma proposta até então inusitada: fazer parte de uma espécie de eleição para prefeito da instituição, no intuito de mostrar para a sociedade que a PopRua tem direitos, sabe votar, tem cidadãos e cidadãs.
Eu, que durante minha vida inteira sempre fui muito crítico com as questões políticas e sociais de nosso país e também pela minha condição enquanto pessoa em situação de rua, me lancei candidato junto com outros quatro. Levei a sério a eleição, mesmo sabendo que se tratava de uma “brincadeira”.
Criei o nome Partido Albergue Feliz, pois o que queríamos era tão somente termos um lugar tranquilo para conviver, e usei o slogan "Natal tem jeito, Vanilson prefeito". Fizemos também propostas de melhorias para a cidade, para serem entregues ao prefeito que fosse eleito, e, em 10 minutos, dentro do Centro Pop, criei uma paródia da música Morango do Nordeste (Vote e acerte, na minha versão).
Eu fui o eleito. Eu e o companheiro Cabelo, que ficamos como candidatos até o final, mal sabíamos que aquela eleição era o início da nossa militância por direitos sociais.
Depois, fomos convidados pelo Centro de Referência em Direitos Humanos Marcos Dionísio da UFRN para um evento sobre a temática. Confesso que até ali eu ainda não havia ouvido falar do MNPR e nem sabia que a PopRua tinha direitos. Na ocasião, a então liderança nacional Maria Lúcia Pereira participou da atividade e estava em busca de uma liderança no RN.
Fui escolhido pelos colegas do movimento para participar de uma formação em Brasília. No avião, caiu a ficha. Aquela eleição para prefeito do albergue não era uma brincadeira. Eu, que nunca tinha tido uma bicicleta e estava há pouco tempo em um papelão, de repente percebi a grande responsabilidade que estava assumindo e me sentia útil novamente.
Em 2014, conheci uma guerreira potiguara maravilhosa, minha companheira, Fátima Matias. Inicialmente, fomos morar na casa da mãe dela e hoje moramos de aluguel na Praia do Meio. Fátima é uma mulher muito especial. A atitude dela é o que falta nas gestões, de compreender que quem está em situação de rua são pessoas, com histórias, vidas. Não é julgar pelas aparências, mas acolher.
Durante estes quase 11 anos do MNPR-RN, conquistamos espaços de controle social. Hoje, fazemos palestras, rodas de conversa para universitários, objetivando formar profissionais mais comprometidos com as questões políticas e sociais. Temos vários militantes no MNPR-RN.
Mas nada disso seria possível se pessoas como Fernanda Cavalcanti e Hellen Tathyane, do Centro de Referência em Direitos Humanos, não tivessem tomado a atitude de lutar e acreditar que sonho que sonhamos só será sempre um sonho, mas quando sonhamos em coletivo torna-se realidade.
Neste ano, teremos o III Encontro Maria Lúcia Santos do MNPR Região Nordeste, que acontecerá em Recife, de 5 a 8 de setembro. Estes eventos buscam fortalecer a luta e o conhecimento, construindo pontes e derrubando muros.